Com o objetivo de “descobrir os subterrâneos de Paris e revelar todo o seu potencial”, o concurso internacional Reinventer Paris 2 teve seu resultado divulgado no início de 2019, quase dois anos após seu lançamento em maio de 2017. Organizado pela prefeitura da cidade, Reinventer Paris 2 recebeu 217 projetos para 34 sítios espalhados pela cidade, entre eles estacionamentos subterrâneos, túneis, estações de metro desativadas, baixios de viadutos e reservatórios de água.
“Enquanto várias metrópoles ao redor do mundo embarcaram em uma corrida frenética para construir os arranha-céus mais altos, a rodada mais recente do Reinventé Paris – ‘Os Segredos Subterrâneos de Paris’ – atesta outra ambição urbana: a da profundidade. Com este novo concurso, queremos desvendar o incrível potencial do metrô de Paris e inventar a Paris de amanhã. (…) Usos noturnos, culturais, logísticos, esportivos e recreativos: esperamos que as equipes imaginem novos propósitos para esses espaços e deixem sua imaginação correr livremente. Ao trazer luz natural e criar uma nova relação vertical entre a cidade subterrânea e a superfície, esses projetos abrirão uma nova dimensão no planejamento urbano”. Assim o concurso foi apresentado por Jean-Louis Missika, vice-prefeito de Paris.
Os 20 projetos selecionados são o resultado de equipes multidisciplinares e propõem usos predominantemente culturais, orientados a eventos ou a produção, e em princípio vão permitir o desenvolvimento de “serviços inovadores” e atividades variadas. Quatorze sítios ficaram sem premiação por razões técnicas e devido à “complexidade do lugar”. Dentre estes estão os fantásticos espaços do Túnel Tuileries e um túnel sob a icônica Pont-Neuf.
Talvez o real motivo desta não premiação é que as propostas apresentadas não eram convincentes. O número de projetos entregues foi baixo: uma média de sete propostas por lugar. Baixíssimo, se considerarmos que foi um concurso internacional alardeado pela mídia. Alguns dos 20 premiados demonstram algum entendimento das singularidades dos espaços encontrados, mas outros apresentaram ideias tão fracas que melhor seria deixar os espaços subterrâneos no limbo.
A proposta vencedora do metrô Croix Rouge (SAME Architectes), por exemplo. O website do concurso é muito sumário e não publicou nenhuma descrição deste projeto, preferindo divulgar apenas algumas perspectivas que ilustram um bistrô, um café e outros ambientes ladeados por uma arcada de desenho conservador e um paisagismo de gosto duvidoso. Ora, a estação Croix Rouge é um espaço subterrâneo expressivo no estado em que se encontra hoje, daí que melhor seria premiar um projeto que procurasse propor menos e manter mais, deixando mais presente a abóboda de azulejos bisotados e o espaço tubular da estação.
Um outro premiado é uma proposta para a antiga Discothèque la Main Jaune (Oftrak Architectes), um clube noturno cultuado nos anos 1980, a primeira “Roller Disco” da cidade e cenário de uma comédia francesa, o filme La Boum (1980). “Este projeto dará uma nova vida a este sub-solo mítico, transformando-o num local dedicado a músicos amadores ou profissionais que poderão gravar suas obras e desfrutar do apoio de um grande ecossistema”. Quem sabe ao menos esse dessous de Paris voltará a ver anos tão gloriosos como aqueles.
Mais do que um concurso de arquitetura, Reiventer Paris na verdade foi pensado como uma maneira de articular parcerias de modelo público-privado: imóveis municipais subutilizados devem ser revitalizados desde que economicamente viáveis pela lógica do setor privado. Para participar, os arquitetos devem estar necessariamente associados a incorporadores imobiliários: trata-se simultaneamente de um concurso de ideias e de uma licitação pública. O processo licitatório para a venda das propriedades que compunham o edital inclui valores financeiros como em qualquer leilão: ganha a licitação quem dá mais pelo terreno. Mas neste caso, a análise do impacto urbano do projeto dos arquitetos é parte do critério de seleção. Ou seja, Reinventer Paris é a revitalização urbana como um plano de negócio, onde o projeto de arquitetura deve estar corroborado por um estudo de viabilidade elaborado pela empresa responsável pela construção e/ou gestão do projeto.
É uma ótima ideia, mas nem sempre com bons resultados. As propostas vencedoras da primeira edição (Reinventer Paris I, 2016) ao menos eram mais qualificadas visualmente. Havia terrenos e imóveis convencionais (lotes vagos, edifícios públicos devolutos etc.) e não espaços escondidos no sub-solo. Muitos arquitetos estrangeiros participaram (OMA, Shigeru Ban etc.) e alguns deles foram premiados (Sou Fujimoto, Roger Stirk Harbour + Partners, e David Chipperfield) . Do ponto de vista do vice-prefeito, a discussão foi um sucesso e serviu para os cofres municipais arrecadarem E600 milhões — mas críticos mais atentos afirmaram que os projetos não são inovadores, apostando na saturada linguagem de prédios cobertos por vegetação e em lugares-comuns como a agricultura urbana e o co-working, poucos deles resistindo a uma segunda análise. Pior que isso, segundo o site CityLab Reinventer Paris foi anunciado como uma investigação coletiva para debater e ativar espaços urbanos esquecidos, mas acabou servindo para a venda indireta de ativos municipais encalhados e vendidos graças a projetos arquitetônicos sem qualquer preocupação com o urbano ou o coletivo.
Talvez as inúmeras limitações da segunda versão subterrânea (sítios pequenos e escuros, difíceis e com arquitetura pré-existente) tenham afastado os bons arquitetos franceses do segundo certame. Um grupo de arquitetos locais se apressou em lançar um concurso paralelo com o trocadilho Reinventer Pourris (pourris = podre), onde ganha quem for o mais crítico e cético frente a ideia de reinventar Paris. Segundo Yann Legouis, organizador deste contra-concurso, a jogada é: começar seduzindo arquitetos para pensar propostas em locais inusitados para terminar com a adjudicação de contratos às poucas construtoras de costume. “Eles pedem propostas, mas no final os projetos vão exatamente para as mesmas 10 ou 20 grandes empresas que tendem a monopolizar as comissões públicas na França”, diz Legouis. “Não é que essas empresas sejam necessariamente ruins, mas tampouco são inovadoras”.
É verdade que vários dos premiados decepcionam e endossam essa visão pessimista de uma empreitada que, em princípio, tem tudo para celebrar Paris e livrá-la de vez do fardo de capital do século XIX.
Agora, se Reinventer Paris pode ser caricaturizado como uma discussão tipicamente francesa cujo mérito está no discurso e não na prática, é preciso fazer muitas ressalvas: sem dúvida é uma ideia forte, mesmo que ajustes sejam necessários. A outra verdade é que concursos de arquitetura raramente saem do papel mesmo nos países que têm tradição de organizá-los. E este não está sendo o caso de Reinventer Paris I. Dos 22 vencedores anunciados em fevereiro de 2016, dez projetos estão em andamento e dois já receberam alvará de construção. Quanto aos outros dez, as permissões estão sendo analisadas pelos órgãos da cidade. Destes, dois ou três são matéria de discussões mais complicadas, mas nenhum projeto está engavetado. “Para Paris, é milagroso!” disse o vice-prefeito num evento no Pavillion de l’Arsenal. E não deixa de ser.