Carlos M Teixeira
Texto originalmente comissionado pelo portal de arquitetura e-architect
Uma exposição de dois dias realizada em setembro passado no Jazz at Lincoln Center, em Nova York, foi uma boa oportunidade para conhecer os projetos concorrentes ao que deverá ser “a primeira torre de escritórios de quarteirão inteiro a ser construída depois de quase 50 anos na Park Avenue, em Manhattan”. Foi neste contexto que a incorporadora e cliente L&L Holding anunciou o vencedor de um concurso que teve ampla divulgação, o “Park Avenue 425”, no qual os 11 escritórios de arquitetura convidados foram instigados a mudar o skyline estático da Park Avenue com um projeto pretensamente emblemático.
Formalmente, o projeto concorrente poderia definir um terceiro elemento além das duas tipologias construtivas que moldaram a Park Avenue ao longo do século passado: as legislações de 1916 e 1961 e seus resultantes clichês formais, o “bolo de casamento” e a “caixa de sapatos”, respectivamente.
A legislação de 1916 tomou o famoso Woolworth Building de Nova York como modelo: a ocupação da área total do lote era permitida até uma certa altura; a partir daí, os andares deveriam recuar seguindo uma angulação que permitisse a iluminação adequada das ruas. Entretanto, edifícios ou parte de edifícios que ocupassem menos de 25% da área de um lote poderiam subir até alturas ilimitadas.
A adoção de um novo zoneamento em 1961 foi o principal evento arquitetônico e urbano na Nova York do pós-guerra, substituindo o padrão do “bolo” de 1916 pela “caixa de sapatos” e configurando uma nova relação entre rua e edifício. Claramente influenciada pelo urbanismo moderno, essa mudança visava a renovação da cidade tradicional orientada para a rua por um urbanismo marcado por vazios contínuos pontuados por torres isoladas. Seu novo paradigma era o Seagram’s Building (Mies van der Rohe, 1958). A idéia da “torre no parque”, ou do objeto vertical rodeado de espaços vazios, passa a ser o novo ideal de arranha-céu: eles não mais se acotovelarão ao longo da rua, mas estarão higienicamente afastados segundo normas pré-estabelecidas pela nova lei. Assim como a de 1916, esta lei teria um impacto profundo no planejamento das cidades americanas e – devido ao prestígio e proeminência internacional de NY – também no planejamento de cidades por todo o globo.
Talvez nenhuma outra avenida da cidade ilustre tão bem a dualidade desses dois modelos e suas tipologias quanto a Park Avenue, onde estão enfileirados jóias do modernismo corporativo como o Seagram’s (talvez a melhor caixa de sapato já construída), sua seguidora Lever House, e bolos de casamento ilustres como o hotel Waldorf Astoria.
O concurso representou uma oportunidade única para redesenhar um edifício típico do zoneamento de 1916 e de reativar a Park Avenue com algo que fosse além das restrições daquelas duas leis de uso e ocupação do solo. Segundo um repórter do New York Observer, o plano do empreendedor é o de derrubar 75% do colossal prédio existente no número 425 e substituí-lo por uma nova torre, com pavimentos corridos flexíveis, vãos livres e certificação LEED. Mas como o bolo de casamento de 32 andares foi construído em 1957, sua área total é maior que a permitida pelo zoneamento de 1961 ainda vigente e, com a demolição do mesmo, sua substituição seria obrigatoriamente feita por uma estrutura de área menor que a atual. Procurando brechas na lei, advogados da L&L Holding determinaram, então, que o novo projeto deveria manter a base da torre de 1957 e propor um volume substituto a partir daí, sendo a área atual de 65.000 metros quadrados mantida através de um certo truque de interpretação da lei (coisas assim também ocorrem por lá…).
Foster desbancou os outros três finalistas (Zaha Hadid do Zaha Hadid Architects, Rem Koolhaas do OMA, e Richard Rogers do Rogers Stirk Harbour & Partners) com um edifício que não lembra em nada o frescor da sua Torre Hearst de retícula diagonal (construída na 8ª Avenida em Manhattan), nem a pirotecnia apresentada pelos outros três arquitetos. Ao contrário, o novo edifício parece ultrapassado e nada difere de uma torre de escritórios tipicamente norte-americana, exceto por sua estrutura de aço ligeiramente escultural que agora parece seguir a escala apropriada da Avenida, e não a lei de 1910.
Como explicado pelos arquitetos vencedores, o volume tem três gradações de andares corridos, separados entre si por um terraço ajardinado que oferece serviços e praças suspensas para os usuários com vistas panorâmicas de Manhattan e do Central Park. O edifício resultante tem a mesma área do anterior, porém é mais alto, mais esbelto e tem um invólucro mais suave que oferece os espaços semi-públicos em seus terraços – além de uma arquitetura mais urbana que, apesar de sem novidades, é certamente muito melhor que o desajeitado zigurate escalonado de 1957.
Segundo uma crítica do New York Times, o projeto foi escolhido não por seu potencial de marco na paisagem da cidade, mas, principalmente, pela disponibilização de áreas comuns por todo o edifício, onde os ocupantes agora poderão se reunir informalmente: “A idéia do espaço para escritórios é oferecer lugares de troca de ideias e áreas de colaboração”, disse um CEO da empresa patrocinadora do concurso.
Isso me fez recordar um artigo² do crítico Kenneth Frampton, que uma vez comparou o edifício Centraal Beheer do holandês Herman Hertzberger com o edifício Willis Faber & Dumas de Norman Foster (hoje patrimônio nacional do Reino Unido tombado com “grade one”). Frampton classifica o primeiro como uma tentativa de superação da divisão burocrática de trabalho através de uma ocupação “antropológica” de seus espaços labirínticos, e o segundo como um sucessor natural do Panóptico de Bentham de 1791, sendo um plano aberto com um panorama incessante de ordem e controle. Ambos estariam em posições diametralmente opostas no círculo da arquitetura empresarial; o Centraal Beheer (1974) representando uma forma alternativa de organização do trabalho e definindo um espaço não-hierárquico, semi-anárquico e anti-corporativo; e o Willis Faber (1975) simplesmente confirmando o modo de produção capitalista, seu lay-out aberto podendo ser interpretado como a aplicação do modelo fordista à arquitetura de escritórios.
É verdade que escritórios panorâmicos podem parecer flexíveis e democráticos para arquitetos e patrões, como podem ser sentidos como opressivos e reguladores por seus usuários e funcionários. Assim como é verdade que o discurso humanista de Hertzberger e o chamado estruturalismo holandês se enfraqueceram nas últimas décadas, enquanto a arquitetura tecnocrática, eficiente e acrítica de Foster provou ser aberta o suficiente para incorporar a generosidade e escala humana que seus projetos iniciais aparentemente não tinham.
¹Texto originalmente escrito para os portais e-architect e Vitruvius.
²Frampton, K: “Place, Production and Architecture”, in Architectural Design, 7-8, 1982.
Carlos M Teixeira fundou o Vazio S/A, estúdio de arquitetura. Já apresentou seus trabalhos na Bienal de Veneza, no Museu V&A, na Bienal de Arte de São Paulo e outros. Seu último livro, “Entre: Architecture from the Performing Arts”, foi publicado pela Black Dog Publishing este ano.
Fonte das imagens em anexo: e-architect.