Projeto que iniciou a série Amnésias Topográficas em parceria com o grupo de teatro de rua Armatrux. Enormes palafitas de concreto – que sustentam edifícios residenciais no bairro Buritis, em Belo Horizonte — foram convertidas em material para investigações urbanas. São espaços piranesianos não idealizados por arquitetos; produtos de calculistas que jamais imaginaram o espaço que projetaram; surpresas espaciais que nunca acontecem no mundo previsível da arquitetura. Tais labirintos de pilares, totalmente subutilizados e ignorados pelos condôminos, foram ativados e revelados como cenário do espetáculo Invento para Leonardo, concebido pelo grupo Armatrux especificamente para as palafitas.
O espetáculo foi uma proposta da diretora Andrea Caruso Saturnino (atual diretora do Theatro Municipal de São Paulo), que convidou os arquitetos Carlos Teixeira e Louise Ganz, a coreógrafa Adriana Banana, os músicos Marcos Moreira Marcos e Nelson Soares (O Grivo), a iluminadora Telma Fernandes e o cinegrafista André Amparo para trabalhar no projeto. O espetáculo foi realizado com quatro atores: Paulo Sérgio Cavalcanti, Tina Dias, Eduardo Machado e Paula Manata que, assim como a diretora, então pertenciam ao grupo de teatro Armatrux.
Abaixo, um excerto da resenha do crítico João Paulo Cunha:
“’A história de Belo Horizonte pode, ironicamente, ser considerada a vitória do desplanejado sobre o planejado.’ A afirmação do arquiteto Carlos M. Teixeira, em seu livro Em obras: história do vazio em Belo Horizonte (Cosac Naify), é uma boa síntese do mais novo espetáculo do grupo Armatrux. E o diálogo entre o arquiteto e o grupo prossegue em outras linguagens: é de Carlos Teixeira o projeto arquitetônico de Invento para Leonardo e, sobretudo, a concepção que flui através da montagem, que faz pensar através do espaço, que exalta o improviso, que retira do interior das expectativas prontas a possibilidade da crítica e do sonho.
“A referência ao livro do arquiteto é ainda importante por sua localização na história das reflexões sobre a cidade. Nascido a contrapelo das comemorações do centenário de Belo Horizonte, Em obras se tornou a mais melancólica declaração de amor a cidade, destas que conhecem os reveses das paixões, que não se afundam em êxtases impossíveis, que desconstroem para deixar o terreno livre. Sem planuras, mas com possibilidades de construção. Como no amor entre as pessoas. Como no teatro do Armatrux em Invento para Leonardo.
“A montagem dirigida por Andréa Caruso leva o trabalho do grupo um passo adiante. Não se trata apenas da temática ou da técnica. Mesmo nos trabalhos infantis e com bonecos, a seriedade do Armatrux estava presente, com acento lúdico, mas sempre reflexivo. A maturidade de Invento se dá pela capacidade de agenciar os elementos físicos, sonoros, visuais, movimento, emoção e inteligência.
“A concepção da montagem obriga o espectador a se colocar em uma outra posição frente à cidade. Em vez da sala de teatro ou mesmo das praças e outras arenas já convencionais, o espaço utilizado é o vazio criado pelas fundações de um prédio no bairro Buritis. Como forma voraz da apropriação – e o bairro já uma criação desta dinâmica do perto-longe das grandes cidades – de todo centímetro construível, alguns prédios se erguem sobre colunas que sustentam as construções como quem equilibra a vida sobre dedos frágeis. O espaço gerado, que vai do solo ao prédio, desenhado pelas fundações, é muitas vezes mais amplo que o da própria construção. Um vazio construído com concreto.”
Estado de Minas, 06/09/2001
Ver também o texto Amnésias Topográficas no portal Vitruvius.
Fotos: Carlos Teixeira, Guto Muniz